Em tempos de eleições e descrença flagrante na classe política, os discursos de candidatos que fazem apologia à formação e ao ideário militar despertaram sentimentos de revolta em alguns grupos sociais. É perigoso notar que tais grupos buscam denegrir a imagem dos militares, de forma generalizada, trazendo à tona fatos históricos fora de contexto e associando-lhes um comportamento antidemocrático e segregador, como se fosse possível dissociá-los do restante da população.
Aproveitando o mês das comemorações do Dia do Soldado do Exército Brasileiro, tentarei mostrar quem, de fato, é esse militar e quais são suas origens, à luz do pensamento social brasileiro, tendo como base a perspectiva da formação da nossa Nação. Espero conseguir ponderar os argumentos daqueles grupos que, muitas vezes, são carregados de ideologias e falta de conhecimento da história.
De início, não há como falar de nacionalidade brasileira sem mencionar Gilberto Freyre e seu livro Casa Grande e Senzala. Afirma o autor que ela é produto de um “equilíbrio de antagonismos”, característico do nosso período colonial. Segundo Freyre, não sofremos um processo puro de europeização no Brasil, pois tivemos influência da cultura indígena e da mediação africana. O escritor destaca a miscigenação como uma das características marcantes dessa formação social em terras brasileiras, que se apoiou na isenção de qualquer tipo de preconceito de raça por parte do colonizador português. Aqui, diferentemente do que ocorreu no México e Peru, aproveitou-se da gente nativa para o trabalho e a formação da família.
Nossos soldados têm muito desses primeiros habitantes. Como relatou o coronel e historiador João Batista Magalhães, em seu trabalho sobre a evolução militar do Brasil, muito devemos aos aborígenes, com seus diversos graus de cultura e diferenciação de costumes. O pesquisador registrou que o hábito da vida na floresta dava-lhes assinalada faculdade de caçadores. As notórias capacidades, aperfeiçoadas ao longo do tempo, tipificam, hoje, um dos melhores combatentes em ambiente de selva, reconhecidos internacionalmente: os soldados brasileiros.
Do Império até a Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), percebe-se o quanto nossos soldados eram cidadãos comuns e patriotas, como se observa no relato exultante de Francisco Otaviano, diplomata e poeta, sobre a entrada das tropas brasileiras ao sul do Paraguai, em 1866: “Vivam os brasileiros, sejam brancos, negros, mulatos ou caboclos! Vivam! Que gente brava!”. A despeito da imprecisão dos dados demográficos existentes na ocasião, praticamente um quarto da população da época era composta de escravos negros. Sendo assim, como afirma Chiavenatto (1983: 27), o Exército Brasileiro dificilmente poderia ser compreendido como uma força de escravos, contrariando o que muitos ainda pensam hoje.
Dessa forma, falar dos soldados do Exército é falar da mesma gente da nossa terra, da mistura de raças tão bem colocada por Freyre e das gentes que inspiraram Hendrik Kraay, quando escreveu o artigo sobre os zuavos baianos e outras companhias negras na Guerra do Paraguai: “a guerra foi uma experiência racialmente compartilhada, que forjou a nacionalidade nos campos de batalha.” (2012).
No século XX, durante a 2ª Guerra Mundial, nossos pracinhas, superando toda sorte de dificuldades em um conflito ultramarino e em favor da democracia, foram combater o nazifascismo na Itália, com o apoio explícito da população. A Força Expedicionária Brasileira representou o sentimento do País, cuja canção retrata fielmente o vínculo do soldado com o cidadão comum:
Você sabe de onde eu venho?
Venho do morro, do engenho,
Das selvas, dos cafezais,
Da boa terra do coco,
[…]
Venho das praias sedosas,
Das montanhas alterosas.
Do pampa, do seringal,
Das margens crespas dos rios,
Dos verdes mares bravios
De minha terra natal.
(DE ALMEIDA, Guilherme; ROSSI, Spartaco. Canção do Expedicionário)
Portanto, não existe razão para querer separar os militares do povo brasileiro ou criar antagonismos que nunca existiram. O soldado é um cidadão fardado, com todos os seus atributos e defeitos. Por certo que a profissão militar não é para todos, assim como não é a do médico ou advogado. Não somos nem melhores, nem piores; apenas diferentes, como diz um conhecido bordão.
Caio Prado Junior, em Formação do Brasil Contemporâneo, referiu-se a uma “uniformidade de atitudes”, incluídas aí as crenças, a língua e os usos, que favoreceram a base psicológica e moral da Nação brasileira e mantiveram sua integridade desde a época colonial. Façamos dessa marca tipicamente brasileira, nossa fusão de raças e nosso maior trunfo para construir um Brasil digno para as próximas gerações. Nunca esqueça que, dentro de cada Soldado, existe um brasileiro como você, por você e por todos nós.
Autor: Cel Rodolfo Tristão Pina
Agência Verde-Oliva / Centro de Comunicação Social do Exército