domingo, dezembro 22, 2024

Remédios amargos para combater o crime organizado

O aumento da violência no Brasil, principalmente nos grandes centros urbanos, vem colocando em risco a integridade física e o patrimônio dos cidadãos, ao mesmo tempo em que impede a presença do Estado em regiões controladas pelo crime organizado. A própria democracia fica maculada nesses locais, onde candidatos a cargos eletivos são impedidos pelos criminosos de fazer campanhas eleitorais, oficiais de justiça não podem cumprir mandados judiciais e profissionais da educação não conseguem ensinar às crianças e aos adolescentes das comunidades menos favorecidas.

Diante da gravidade desse quadro e da incapacidade dos órgãos policiais de agir com eficácia, além da insuficiência de recursos de toda ordem para serem aplicados na segurança pública, os governos estaduais, frequentemente, solicitam ao Presidente da República a presença das Forças Armadas para atuarem em seus estados, a fim de combaterem a violência.

No atual momento, o Chefe do Poder Executivo decretou Intervenção Federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro e nomeou um oficial-general para ser o interventor, colocando em seus ombros a responsabilidade de “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública”, conforme preceitua o inciso III, do artigo 34, da Constituição Federal de 1988.

Antes dessa medida, as Forças Armadas já vinham atuando naquele Estado da federação, sob o amparo da legislação que trata da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), missão atribuída aos militares, conforme o artigo 142, realizando operações com os órgãos de segurança pública elencados no artigo 144, todos da Magna Carta.

Em uma primeira leitura, alguns menos avisados poderiam interpretar que tal medida constitucional caracterizaria um endurecimento das autoridades no combate à violência no Estado fluminense – mas não é bem assim. O que mudou é o comando das ações, que passou para as mãos do interventor, atendendo, assim, a um dos mais importantes princípios de guerra – o do comando único. Dessa forma, as Polícias Militar e Civil, o Corpo de Bombeiros Militar e o sistema penitenciário passam a ser subordinados ao General Braga Netto e não mais ao Governador do Rio de Janeiro.

Ademais, a atuação das forças militares e policiais deve ser balizada pela legislação pátria, na qual encontramos princípios, direitos e garantias individuais norteadores das regras de engajamento a serem seguidas pelos nossos soldados. Basta observar a celeuma surgida em relação aos mandados de busca coletivos e às abordagens, em que moradores e seus documentos são fotografados. Algumas entidades de direitos humanos, a OAB e a defensoria pública, entre outros entes, consideraram tal atitude ilegal. É aí que reside o principal obstáculo para tornar a ação eficaz: a reduzida liberdade de ação da tropa.

Diante desse quadro caótico de insegurança, fica o questionamento: como combater o crime organizado com uma legislação que não proporciona adequada flexibilidade às ações das forças contra os criminosos? A resposta está na nossa Constituição Federal.

Se a situação de insegurança é considerada anormal, o que provoca a chamada dos militares para atuar na GLO contra o crime organizado no Rio de Janeiro, não se pode atacar esse grave problema utilizando a legislação de um estado de normalidade. E os remédios para combater essa gravíssima doença estão previstos nos artigos 136, 137 e seguintes da nossa Carta maior: o estado de defesa e o estado de sítio.

Tais dispositivos constitucionais encontram-se no Art. 136, Título V (“Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”) e permitem algumas suspensões de direitos, como o de reunião; o sigilo de correspondência e o sigilo de comunicação; e permite a prisão pelo executor da medida nos crimes contra o Estado, dentro do estado de defesa. No estado de sítio, mais rigoroso que o de defesa, podem, ainda, ser restringidos o direito à prestação de informações e a liberdade de imprensa e de reunião, sendo permitidas a busca e a apreensão em domicílio, entre outras suspensões de direitos e garantias.

Apesar de aparentemente rigorosa a adoção dessas medidas, nem todos os direitos são suspensos e, conforme o artigo 141 da Constituição Federal, os ilícitos cometidos por seus executores ou agentes serão investigados, sendo responsabilizados pelos abusos porventura cometidos, mesmo depois de cessados os efeitos de tais medidas.

As medidas de exceção apresentadas também são utilizadas em outros países, como, por exemplo, a França, que endureceu sua legislação para fazer frente à ameaça terrorista que afeta aquela sociedade que, em sua maioria, aprovou a adoção de tais instrumentos legais.

Por aqui, cabe-nos entender que o crime organizado é uma ameaça não só à segurança pública, mas à própria segurança nacional. Numa visão hobbesiana, em situações excepcionais, a sociedade precisa abrir mão de alguns direitos e garantias em troca de mais segurança. É chegada a hora, portanto, de fortalecer o Estado por intermédio das autoridades constituídas, sem, no entanto, permitir que desrespeitem os limites estabelecidos por todo o arcabouço legal vigente.

Os remédios podem parecer muito amargos, mas não se ataca uma grave infecção com simples analgésicos, sob pena de levar o paciente à morte. E, para aplicá-los, mesmo sob o risco de alguns efeitos colaterais, é preciso o apoio de toda a sociedade, das pessoas de bem, que querem viver com saúde e paz, para que o Rio volte a ser a Cidade Maravilhosa.

Cel Francisco Carlos Sartorio Estoducto

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