quinta-feira, dezembro 26, 2024

Falta de estrutura e recursos aumenta a judicialização na saúde

As filas de espera por atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS) devem ser organizadas e divulgadas para que funcionem como ferramenta de gestão do acesso à saúde. Com o objetivo de equilibrar a oferta e a demanda do sistema brasileiro, a institucionalização das filas foi abordada durante o 1º Curso Nacional de Judicialização da Saúde, realizado pelo CNJ, em parceria com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), nesta segunda e terça-feira (7 e 8/10).

Os debatedores da mesa-redonda que tratou do Enunciado 93, aprovado durante a III Jornada de Direito da Saúde, ressaltaram a importância de organizar as filas de espera, trazendo mais transparência ao sistema. Apesar dessa necessidade ser reconhecida como uma possibilidade de melhorar a gestão e o atendimento ao paciente, os problemas estruturais também foram destacados. Segundo levantamento da Defensoria Pública do Distrito Federal, de janeiro a junho deste ano, foram realizados cerca de 12 mil atendimentos relacionados à saúde, dos quais 1554 tornaram-se ações, com 2.091 pedidos. A categoria com maior índice de ações é a de medicamentos, que representam 35% dos processos do DF registrados no período.

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De acordo com o defensor público do Distrito Federal Ramiro Sant’Ana, mais de 50% das demandas tratam do tempo de espera do SUS. Ele apontou que, no DF, muitas áreas já possuem filas regulamentadas, como a oftalmologia, mas que a organização não é suficiente para reduzi-las. A especialidade é a maior em número de ações relacionadas a consultas, com 78 processos, de um total de 265.

No caso dos exames, por exemplo, a ressonância magnética é objeto de 208 processos, mas, apesar de ter uma fila regulada, o paciente leva, em média, dois anos para conseguir realizar o procedimento. Ele comparou os prazos do SUS aos definidos para os planos de saúde, estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Para consulta, por exemplo, as operadoras têm sete dias para atender o paciente dentro de sua rede, contra os 100 dias definidos no Enunciado 93 para o SUS. “O Enunciado 93 é um primeiro passo é foi dado pelo Judiciário. Ainda não é justo e suficiente, mas é um primeiro passo”, afirmou.

Para Bruno Naundorf, especialista em Saúde do Sistema Estadual de Auditoria da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul, as listas de espera existem por causa do financiamento inadequado e da má remuneração dos profissionais. Ele defendeu a necessidade de revisão da Tabela SUS, que define os valores de pagamento de procedimentos do sistema. De acordo com organizações que atuam no setor, há uma defasagem de mais de 15 anos nos valores pagos. Além disso, há falta de especialistas em muitas regiões do país, principalmente pela remuneração inadequada. O especialista defendeu ainda uma revisão ainda no modelo de remuneração, que hoje é quantitativo, para que passe a ser por produtividade e eficiência (qualitativo).

Os cortes no orçamento da saúde também foram destacados pelo promotor de Justiça de São Paulo Arthur Pinto Filho, ao lembrar a PEC do teto dos gastos públicos (EC 95), que deve representar uma perda de 400 bilhões ao SUS em 20 anos. Ao organizar as filas e dar transparência, é possível sinalizar ao Judiciário a necessidade de que se acione o Ministério Público, a Defensoria Pública e as secretarias de Saúde para buscar soluções, antes de levar as questões à Justiça.

Os debatedores concordaram haver um problema de gestão no SUS, que começa na desarticulação das áreas internas, com a falta de comunicação efetiva e gerenciamento adequado das filas. Mesmo assim, segundo Maria Inês Gadelha, chefe de gabinete da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, a de espera deve ser dinâmica e ser renovada em tempo razoável. Em parceria com ações integradas de saúde, a lista é uma das tecnologias de gestão da clínica, trazendo transparente, escrita e ordenada por riscos do acesso.

Saúde no cotidiano – Na palestra de abertura do 1° Curso Nacional sobre Judicialização da Saúde, foi abordado o tema “Direito à Saúde no cotidiano: famílias navegando o SUS e a Saúde Suplementar no Brasil”. O pesquisador Erik Bähre, professor Doutor Economic Anthropologist and Associate Professor at Leiden University (Holanda) apresentou os dados da pesquisa internacional que está sendo realizada simultaneamente no Brasil, na Índia, nos Estados Unidos, na África do Sul, na Holanda e na Itália sobre o acesso à saúde. Ele apontou que a questão aborda situações técnicas, mas também relaciona com a questão moral do direito à saúde. A forma de financiar a saúde, por exemplo, é vista pela sociedade de como um direito ou como um bem de consumo?

De acordo com o levantamento inicial, que já está coletando dados há dois anos e deve continuar por mais três anos, o Brasil tem alguns problemas de acesso similares a outros locais do mundo. Contudo, no tocante ao planejamento de risco, o Brasil tem poucos profissionais do ramo atuarial, o que prejudica o mercado, aumentando o número de cancelamento de apólices, aumento do preço e pouca margem para a inclusão de novas tecnologias e medicamentos. Os cálculos realizados pelas operadoras e seguradoras de planos é seguros de saúde, dessa forma, conseguem encontrar soluções para as questões administrativas, mas não para os beneficiários, que acabam buscando na Justiça para garantir seus direitos contratuais.

O Brasil apresenta ainda um envelhecimento da população mais rápido do que os países de primeiro mundo, implicando novos cálculos para o custo da saúde e, consequentemente, mais ações judiciais. O alto preço das inovações tecnológicas e de medicamentos também é um fator que obriga a garantia judicial para ter acesso aos tratamentos de ponta, não apenas na saúde suplementar, mas também no SUS. “Os custos não são apenas tecnológicos, mas também relacionados à regulação de mercados globais”, explicou professor Erik. Ou seja, para importar os medicamentos que ainda não têm mercado no Brasil, há custos que vão além do valor da substância em si.

No dia a dia, o assunto aponta para o papel crucial da Defensoria Pública, no sentido de “traduzir” para o Judiciário o sofrimento do cidadão, de forma a humanizar as preocupações da ação judicial. “A judicialização é o termo técnico para demonstrar que as pessoas não estão recebendo seus direitos”, afirmou o pesquisador.

No debate, a doutora em saúde pública Miriam Ventura ressaltou a questão moral da responsabilidade do Estado de garantir os direitos constitucionais e apontou o pouco investimento na saúde pública, invertendo os papéis em relação à saúde suplementar.

Lenir Camimura Herculano – Agência CNJ de Notícias


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