Na semana em que a Lei de Alienação Parental completa nove anos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) comemora a marca de 11.436 pessoas formadas na Oficina de Pais e Mães, uma iniciativa para ensinar formas mais saudáveis de abordar a experiência da separação e evitar que o episódio não resulte em novos litígios judiciais. Os tribunais brasileiros registraram 3,8 mil processos de alienação parental no ano passado. Desde o advento da lei, em 2010, a Justiça pode aplicar sanções para pais ou mães que dificultarem o contato entre filhos e o outro genitor.
Condutas como desqualificar sistematicamente “a conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade” ou se mudar para um local distante “sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós” são passíveis de punições como multa, inversão da guarda e até a “suspensão da autoridade parental”, de acordo com a Lei 12.318.
Para evitar que esses conflitos sejam judicializados, o Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Servidores do Judiciário (Ceajud) lançou em outubro de 2015 uma capacitação em que o processo de separação é abordado das perspectivas de pais e filhos. O curso à distância lança mão de materiais interativos, vídeos, textos, um fórum de discussão entre alunos e questionários avaliativos.
Tratamento de disputas – De acordo com a idealizadora do programa, a juíza da 2ª Vara de Família e Sucessões de São Vicente/SP, Vanessa Aufiero, o curso trata de sentimentos mas também reduz a desinformação a respeito do tema da alienação parental. Muitos casais em disputa não sabem que uma rotina de acusações pode ser substituída por um convívio mais pacífico, por meio do instituto da guarda compartilhada. Na Comarca de São Vicente, cerca de 86% dos participantes do curso, na modalidade presencial, abandonam o conflito e, encaminhados a audiências de mediação e conciliação, firmam acordos.
“Muitas pessoas não sabem o que é guarda compartilhada. Confundem com guarda alternada, que é algo que não existe no nosso ordenamento jurídico. Graças a novelas ou à TV, têm a interpretação de que vão ficar 15 dias com a criança e entregá-la aos cuidados do ex-companheiro pelos outros 15 dias seguintes. Alguns pensam que guarda compartilhada significa não mais pagar pensão alimentícia”, afirma.
Eficácia da lei – A importância da lei, segundo a magistrada, depende da eficácia na sua aplicação. “Eficácia na aplicação da lei é conjugar dispositivos legais para satisfazer a lei do pertencimento, pois é preciso entender que a família é uma relação de circularidade e interdependência entre pessoas, o que um faz afeta o outro. O foco é na visão sistêmica, na interação daquele sistema familiar. Não é possível ver uma pessoa isolada. Uma interpretação da lei pode gerar polarização e uma escalada do conflito. Qualquer lei pode ser desvirtuada se desconectada do valor ao qual está a serviço”, afirmou.
Contribuição – Além de ampliar o entendimento da sociedade sobre o tema, o curso tem alcançado importantes resultados em termos quantitativos. Dos 11 mil cidadãos que concluíram a versão à distância do curso, 99,15% dos participantes informaram que o curso os ajudou a importância de não envolver os filhos nos conflitos dos pais. Percentual semelhante – 94,23% – avaliaram que o curso os ajudou a cuidar melhor dos filhos.
Transição – De acordo com a juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo e ex-conselheira do CNJ, Deborah Ciocci, a lei ajudou a conceituar uma prática que existia há muito tempo, quando família era um modelo tradicional e convencional de convívio. “De 2010 para cá, tivemos uma mudança social, notamos um maior compromisso parental. O afeto está mais presente nas relações familiares, e não só aquele determinado pelo biológico. A sociedade mudou muito. Hoje temos novas configurações de família, como mulheres mães de produção independente e casais homoafetivos”, disse.
Atuante na área do direito da família desde 2008, a juíza avalia que a aplicação da lei ainda sofre com a falta de profissionais capacitados nos quadros da Justiça para atuar em casos mais difíceis de alienação parental. “Faltam profissionais, em quantidade, não em qualificação. Com nossa estrutura atual, não há como fazer visitação assistida como deveria ser, por exemplo. Não há como mandar uma equipe com assistente social e psicólogo à casa de um pai acusado de manter um ambiente sem segurança, sem rede na janela ou com muita sujeira, para confirmar a acusação”, disse a magistrada.
Presidente da Associação Brasileira pela Convivência Equilibrada e Combate à Alienação Parental, Leandro Nagliate, diz trabalhar pela divulgação da lei, cuja redação sofre questionamentos no Congresso Nacional. “A lei é extremamente importante para garantir convívio entre crianças, pais e mães. Em muitos casos, uma pessoa inventa mentiras contra a outra e conta com a impunidade. Talvez uma mudança necessária seja criminalizar a conduta de AP ou a falsa acusação”, disse Nagliate.
Manuel Carlos Montenegro – Agência CNJ de Notícias
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